terça-feira, 3 de março de 2015

Em terra de motorista, ciclista é bandido!

Eu sempre fui uma fervorosa defensora dos transportes públicos. Por mais amassada que eu fosse no trem de Santo André até São Paulo, eu defendia o seu uso até a morte e o argumento era sempre o valor da passagem em torno de R$3,00 contra a gasolina e uns R$20,00 a primeira hora nos estacionamentos do centro de SP, com isto meu carro ficava o dia todo na garagem e me servia apenas a noite quando ia para faculdade.

Depois de um tempo, continuei defendendo o aumento e uso do transporte público, mas sem usá-lo. Tinha compromissos em diversos pontos da capital e da grande SP e por mais que eu pudesse ter os meus deslocamentos realizados pelo busão + trem + metrô, acabei me apegando ao carro e aderindo ao coro daqueles que estão sempre reclamando do trânsito de SP.

Eu havia comprado aquele carro dos sonhos: automático, confortável, piloto automático, teto solar, enfim, achava eu e todo mundo  que eu tinha ganhado na vida.
Um ano depois descobri a verdadeira libertação, o verdadeiro luxo: Morar perto do trabalho.
São dois km de distância e o meu marido trabalha a 3,6km de distância, no entanto, este percurso continuava sendo feito de CARRO. Eu que defendia tanto o não uso do carro, as caronas, as ciclovias, o busão, o trem, continuava apoiando uma causa do conforto do meu banco de couro, pagando uma gasolina cada vez mais cara, IPVA, seguro e etc.

Um dia qualquer lendo um texto do Sakamoto (sim, eu leio Sakamoto #mejulguem) que mostrava pessoas normais indo para os seus trabalhos de bike eu pensei: sério, por que eu ainda sou uma motorista?.
Pesquisei sobre a economia de se abrir mão do carro, os prós e os contras e chamei o marido para jantar num restaurante legal, embebedei-o e comecei a dissertar.. Rsrs! Você sabia que, se você roda até 17km por dia não vale a pena ter um carro? Compensa muito mais você andar SEMPRE de táxi, do que manter um carro. Fiz as contas para ele e expliquei como eu estava me sentindo péssima por ser uma militante de uma causa que eu não abraçava por completo.


Dito isso, abandonei o veículo em setembro de 2014 e assustei todos ao meu redor. Alguns familiares só faltaram me oferecer ajuda financeira achando que o fato de me desfazer de um bem que para muitos é sinônimo de "eu venci na vida" não poderia ser normal, analisando hoje em dia, eu bem que deveria ter aceitado né, rsrs!.
É anormal alguém preferir andar de transporte público, a pé ou de bicicleta mesmo que os seus deslocamentos não sejam muito grandes e mesmo que você tenha essas três opções de forma satisfatória. Eu moro na direção do ponto de trólebus e o meu escritório fica exatamente na frente da onde desço, sem contar que os trólebus para que não conhece são aqueles ônibus elétricos com faixa exclusiva, eles não pegam trânsito e eu só paro nos semáforos.

É claro que eu só o utilizo quando está chovendo ou quando estou com preguiça, afinal dois quilômetros a pé equivalem a dez, quinze minutos do meu dia andando tranquilamente.
Ainda hoje respondo diversos questionamentos a respeito de quando eu irei comprar outro carro e quando a gente responde que nunca mais ou com certeza não tão cedo, a cara de espanto das pessoas chega a ser hilária.
O fato é que se eu tinha dúvidas de que o meu relacionamento com o possante estava ultrapassado, atualmente eu tenho certeza.

A minha qualidade de vida aumentou assustadoramente. Passei a fazer quase todos os deslocamentos a pé, comecei a conhecer o meu bairro melhor, dar bom dia pro cara da banca e para o padeiro, fiquei muito mais disposta.

Gostaria de usar a bicicleta de forma muito mais efetiva, em maiores distâncias e até mesmo em viagens. Vivo namorando vários modelos legais, com cestinhas, bolsinhas e um monte de balangandãn, mas o medo de morrer atropelada ainda me impede.

Não sou uma ciclista avançada e nos raros momentos que eu a coloquei em jogo, quase fui atropelada umas centenas de vezes. Os carros avançam em você sem dó nem piedade e como por aqui não tem ciclovia e eu não pretendo que os meus dependentes façam uso do meu seguro de vida tão cedo, acabo deixando parada, limitando o seu uso às praças ou dias sem muito movimento.

Eu não sei se é por que agora sou essencialmente pedestre, mas eu nunca tinha reparado como os motoristas são mal educados. Peço perdão quase todos os dias, caso eu fosse assim também.
Outra coisa que você começa a perceber quando passa a andar a pé é em como tudo gira em torno dos motoristas. Na frente do meu trabalho tem um farol e uma faixa de pedestres, cinquenta metros para a frente tem outro semáforo sem faixa. O primeiro fecha, o segundo fica aberto. Nós que descemos do trólebus e queremos atravessar a rua, passamos SEM BRINCADEIRA NENHUMA bem uns cinco minutos esperando o farol fechar, mesmo com o da frente fechado e os carros sem terem para onde ir. É claro, que se o primeiro estiver fechado, raros são os motoristas que param na faixa e deixam os pedestres atravessarem e aí maioria acaba se aventurando e saindo correndo (eu sou uma dessas, confesso).

Outro dia questionei aqui no prédio onde trabalho se não há um lugar para deixar a bicicleta e a resposta foi NÃO. Perguntei então se eu poderia usar a minha vaga, uma vez que tenho direito a uma e ela está vazia pois não tenho mais carro, a resposta foi NÃO, "não por que?", "por que sim" foi a resposta, por que as vagas são para os carros.
Ora, não faz o menor sentido que a vaga que me pertence não possa ser usado para guardar o meu meio de transporte simplesmente, por que ninguém mais está acostumado com outros meios de locomoção. Meu marido chegou com a bicicleta dele no estacionamento da empresa e perguntou se podia deixá-la amarrada na árvore, a resposta? NÃO.
O mais curioso é que grandes empresas adoram fazer campanhas "verde", pedem para imprimir com consciência, vem com um papinho meia boca, entregam sacolinhas fofa para você andar por aí fazendo propaganda, mas quando um funcionário realmente faz algo efetivo para o meio ambiente, ela não está preparada para recebê-lo. Aquela conhecida hipocrisia do ser humano.

Conheço muitas pessoas que não poderiam colocar em prática a vida que eu venho levando, muitas trabalham bem mais longe. Alguns tem filhos e ficam com medo no caso de urgências e eu realmente entendo. Acredito que cada um precise conhecer a sua rotina e saber se o carro é NECESSÁRIO ou não.
Mas o que temos defendido é justamente a análise da necessidade. Tudo bem que você tem um filho e não ter carro não é uma opção, mas será que ´precisa mesmo ir até a padaria de carro? Será que não é mais fácil deixar o carro em casa e ir a pé ou transporte público para o trabalho?

O triste de tudo isso é que como eu disse acima, carro hoje em dia não é mais apenas necessidade, é status, é luxo, é poder, quase uma ostentação. Da mesma forma como eu conheço aqueles que tem necessidade, conheço bem umas 5 dúzias de pessoas que não tem a menor necessidade, mas tem seus carros na garagem, fazendo cada vez mais volume na rua e tornando o trânsito cada dia mais infernal.
Ah que alegria que eu sinto, quando vejo aquele trânsito dando nó e eu passando ao lado majestosamente com minhas pernocas/bicicleta de todos aqueles motoristas raivosos.
Sem contar na folga que o meu orçamento mensal sentiu. Sabe o que eu faço sem ter que pagar todos os ônus do meu veículo? Viajo! Só em janeiro fui pro Maranhão/Piaui e Rio de Janeiro e há muitas outras viagens programadas nesse mês, por que ao contrário do ano passado neste começo de ano eu não precisei morrer na fortuna do IPVA/Licenciamento/multas.

Sou muito mais a favor das experiências que o meu dinheiro pode me proporcionar do que os bens que ele pode comprar.
Experimente se livrar deste vício aos poucos. Se não pode abandoná-lo diariamente, experimente nos finais de semana, feriados, pequenos deslocamentos. Perceba como é muito mais barato pegar um táxi do que pagar gasolina + estacionamento ou até mesmo, respeitar o ciclista ou pedestre que esteja perto de você.

De toda essa experiência eu com certeza reafirmei aquela frase: Seja a mudança que você quer ver no mundo. Cada um fazendo a sua parte, por uma sociedade menos caótica, menos estressada e mais feliz.

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