Eu sempre fui uma fervorosa defensora dos transportes públicos. Por
mais amassada que eu fosse no trem de Santo André até São Paulo, eu
defendia o seu uso até a morte e o argumento era sempre o valor da
passagem em torno de R$3,00 contra a gasolina e uns R$20,00 a primeira
hora nos estacionamentos do centro de SP, com isto meu carro ficava o
dia todo na garagem e me servia apenas a noite quando ia para faculdade.
Depois
de um tempo, continuei defendendo o aumento e uso do transporte
público, mas sem usá-lo. Tinha compromissos em diversos pontos da
capital e da grande SP e por mais que eu pudesse ter os meus
deslocamentos realizados pelo busão + trem + metrô, acabei me apegando
ao carro e aderindo ao coro daqueles que estão sempre reclamando do
trânsito de SP.
Eu havia comprado aquele carro dos sonhos:
automático, confortável, piloto automático, teto solar, enfim, achava eu
e todo mundo que eu tinha ganhado na vida.
Um ano depois descobri a verdadeira libertação, o verdadeiro luxo: Morar perto do trabalho.
São
dois km de distância e o meu marido trabalha a 3,6km de distância, no
entanto, este percurso continuava sendo feito de CARRO. Eu que defendia
tanto o não uso do carro, as caronas, as ciclovias, o busão, o trem,
continuava apoiando uma causa do conforto do meu banco de couro, pagando
uma gasolina cada vez mais cara, IPVA, seguro e etc.
Um dia
qualquer lendo um texto do Sakamoto (sim, eu leio Sakamoto #mejulguem)
que mostrava pessoas normais indo para os seus trabalhos de bike eu
pensei: sério, por que eu ainda sou uma motorista?.
Pesquisei
sobre a economia de se abrir mão do carro, os prós e os contras e chamei
o marido para jantar num restaurante legal, embebedei-o e comecei a
dissertar.. Rsrs! Você sabia que, se você roda até 17km por dia não vale
a pena ter um carro? Compensa muito mais você andar SEMPRE de táxi, do
que manter um carro. Fiz as contas para ele e expliquei como eu estava
me sentindo péssima por ser uma militante de uma causa que eu não
abraçava por completo.
Dito isso, abandonei o veículo em setembro
de 2014 e assustei todos ao meu redor. Alguns familiares só faltaram me
oferecer ajuda financeira achando que o fato de me desfazer de um bem
que para muitos é sinônimo de "eu venci na vida" não poderia ser normal,
analisando hoje em dia, eu bem que deveria ter aceitado né, rsrs!.
É
anormal alguém preferir andar de transporte público, a pé ou de
bicicleta mesmo que os seus deslocamentos não sejam muito grandes e
mesmo que você tenha essas três opções de forma satisfatória. Eu moro na
direção do ponto de trólebus e o meu escritório fica exatamente na
frente da onde desço, sem contar que os trólebus para que não conhece
são aqueles ônibus elétricos com faixa exclusiva, eles não pegam
trânsito e eu só paro nos semáforos.
É claro que eu só o utilizo quando
está chovendo ou quando estou com preguiça, afinal dois quilômetros a pé
equivalem a dez, quinze minutos do meu dia andando tranquilamente.
Ainda
hoje respondo diversos questionamentos a respeito de quando eu irei
comprar outro carro e quando a gente responde que nunca mais ou com
certeza não tão cedo, a cara de espanto das pessoas chega a ser hilária.
O fato é que se eu tinha dúvidas de que o meu relacionamento com o possante estava ultrapassado, atualmente eu tenho certeza.
A
minha qualidade de vida aumentou assustadoramente. Passei a fazer quase
todos os deslocamentos a pé, comecei a conhecer o meu bairro melhor,
dar bom dia pro cara da banca e para o padeiro, fiquei muito mais
disposta.
Gostaria de usar a bicicleta de forma muito mais efetiva, em maiores distâncias e até mesmo em viagens. Vivo namorando vários modelos legais, com cestinhas, bolsinhas e um monte de balangandãn, mas o medo de morrer atropelada ainda me impede.
Não sou uma
ciclista avançada e nos raros momentos que eu a coloquei em jogo, quase
fui atropelada umas centenas de vezes. Os carros avançam em você sem dó
nem piedade e como por aqui não tem ciclovia e eu não pretendo que os
meus dependentes façam uso do meu seguro de vida tão cedo, acabo
deixando parada, limitando o seu uso às praças ou dias sem muito
movimento.
Eu não sei se é por que agora sou essencialmente
pedestre, mas eu nunca tinha reparado como os motoristas são mal
educados. Peço perdão quase todos os dias, caso eu fosse assim também.
Outra
coisa que você começa a perceber quando passa a andar a pé é em como
tudo gira em torno dos motoristas. Na frente do meu trabalho tem um
farol e uma faixa de pedestres, cinquenta metros para a frente tem outro
semáforo sem faixa. O primeiro fecha, o segundo fica aberto. Nós que
descemos do trólebus e queremos atravessar a rua, passamos SEM
BRINCADEIRA NENHUMA bem uns cinco minutos esperando o farol fechar,
mesmo com o da frente fechado e os carros sem terem para onde ir. É
claro, que se o primeiro estiver fechado, raros são os motoristas que
param na faixa e deixam os pedestres atravessarem e aí maioria acaba se
aventurando e saindo correndo (eu sou uma dessas, confesso).
Outro
dia questionei aqui no prédio onde trabalho se não há um lugar para
deixar a bicicleta e a resposta foi NÃO. Perguntei então se eu poderia
usar a minha vaga, uma vez que tenho direito a uma e ela está vazia pois
não tenho mais carro, a resposta foi NÃO, "não por que?", "por que sim"
foi a resposta, por que as vagas são para os carros.
Ora, não
faz o menor sentido que a vaga que me pertence não possa ser usado para
guardar o meu meio de transporte simplesmente, por que ninguém mais está
acostumado com outros meios de locomoção. Meu marido chegou com a
bicicleta dele no estacionamento da empresa e perguntou se podia
deixá-la amarrada na árvore, a resposta? NÃO.
O mais curioso é
que grandes empresas adoram fazer campanhas "verde", pedem para imprimir
com consciência, vem com um papinho meia boca, entregam sacolinhas fofa para você andar por aí fazendo propaganda, mas quando um
funcionário realmente faz algo efetivo para o meio ambiente, ela não
está preparada para recebê-lo. Aquela conhecida hipocrisia do ser
humano.
Conheço muitas pessoas que não poderiam colocar em
prática a vida que eu venho levando, muitas trabalham bem mais longe.
Alguns tem filhos e ficam com medo no caso de urgências e eu realmente
entendo. Acredito que cada um precise conhecer a sua rotina e saber se o
carro é NECESSÁRIO ou não.
Mas o que temos defendido é justamente a análise da necessidade. Tudo bem que você tem um filho e não ter carro não é uma opção, mas será que ´precisa mesmo ir até a padaria de carro? Será que não é mais fácil deixar o carro em casa e ir a pé ou transporte público para o trabalho?
O triste de tudo isso é que como eu
disse acima, carro hoje em dia não é mais apenas necessidade, é status, é
luxo, é poder, quase uma ostentação. Da mesma forma como eu conheço
aqueles que tem necessidade, conheço bem umas 5 dúzias de pessoas que
não tem a menor necessidade, mas tem seus carros na garagem, fazendo
cada vez mais volume na rua e tornando o trânsito cada dia mais
infernal.
Ah que alegria que eu sinto, quando vejo aquele
trânsito dando nó e eu passando ao lado majestosamente com minhas
pernocas/bicicleta de todos aqueles motoristas raivosos.
Sem contar na
folga que o meu orçamento mensal sentiu. Sabe o que eu faço sem ter que
pagar todos os ônus do meu veículo? Viajo! Só em janeiro fui pro
Maranhão/Piaui e Rio de Janeiro e há muitas outras viagens programadas
nesse mês, por que ao contrário do ano passado neste começo de ano eu
não precisei morrer na fortuna do IPVA/Licenciamento/multas.
Sou muito
mais a favor das experiências que o meu dinheiro pode me proporcionar do
que os bens que ele pode comprar.
Experimente se livrar deste
vício aos poucos. Se não pode abandoná-lo diariamente, experimente nos
finais de semana, feriados, pequenos deslocamentos. Perceba como é muito
mais barato pegar um táxi do que pagar gasolina + estacionamento ou até
mesmo, respeitar o ciclista ou pedestre que esteja perto de você.
De
toda essa experiência eu com certeza reafirmei aquela frase: Seja a
mudança que você quer ver no mundo. Cada um fazendo a sua parte, por uma
sociedade menos caótica, menos estressada e mais feliz.
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